Quando o cheiro a mofo é cheiro a rosas
Hoje tive uma noite terrível. Os sonhos foram estúpidos e deixaram-me cansada assim que acordei. O despertador também tocou mais cedo do que o costume: marcava 6h30 da manhã. Hoje ia ter que me maquilhar, porra. Não que não goste, muito pelo contrário, mas de manhã, chega-me o rímel para um dia normal. Hoje não ia ser um dia normal.
Próximo passo: escolher a roupa. Não queria ir de calças de ganga. Escolhi as de fato, aquelas pretas, que se usam em ocasiões especiais e funerais - mas gosto delas. Mostram a canela, dá para usar os meus ténis brancos, e acabam por ser só qb formal. Ideal para hoje.
Depois, lá me maquilhei. Resmas de corretor nas borbulhas do stress dos últimos dias. Bolas, foi demais. "Agora tens que abusar no bronzeador, só para não pareceres mais pálida do que és sem nada disto na cara." Ponho o rímel e dou um toque nas sobrancelhas: "estás viva." Tive que usar o batom da Mac - detesto usá-lo desde que descobri que testam em animais, mas hoje, era o rosa perfeito para o efeito.
Autocarro, direto pela auto-estrada - acreditem, são poucos. 8h30 no Campo Grande. 9h02 no Marquês de Pombal. "Bolas, e agora qual é a paragem certa?". Lá tive que recorrer aos prints que tirei do Google Maps. Autocarro 732 às 9h06. Fiz-me ao caminho, com o nervoso graúdo a dar-me pontapés no estômago. 9h35 no destino. Cheguei uma hora mais cedo, mas conhecendo como me conheço, as probabilidades de me perder eram enormes. Foi melhor assim.
Enquanto tomava o pequeno-almoço num café simpático das redondezas, imaginei-me ali todas as manhãs antes de ir trabalhar - gostei da imagem... e da merenda mista. Para meu espanto, consegui comer tudo sem estar mal disposta de nervos, mas depois vi as horas. 10h11. Faltavam 19 minutos para a entrevista.
Fui andando e fiquei de plantão à espera que chegasse a hora, pensando em todas as perguntas que me poderiam fazer na minha primeira entrevista de sempre. "Mas eu sou péssima a falar de mim!!!" Bati à porta às 10h28 - adiantada qb. "Tens que mostrar que és pontual."
A entrevista começou e eu fiquei assustada: "Pelo teu currículo, não percebi bem porque é que escolheste vir para aqui." Acreditem, ouvir isto da boca de alguém que coordena um dos sítios para onde vocês gostavam de vir a trabalhar, é um grande choque. Começam a questionar se o percurso académico e profissional que desenharam para vocês está todo errado, e que passaram os últimos 4 anos a viver em Nárnia.
Lá expliquei. "AHHHH! Pronto, assim compreendo. É que com estes nomes dos cursos de hoje em dia, nós empresas, nunca percebemos bem o que é que vocês estudam!" Respirei fundo e ri-me. A conversa continuou. Quanto mais me diziam o trabalho que ali faziam, mais eu ficava com os olhos a brilhar.
Discutimos horários e aceitaram a minha proposta - toda a condizer com o horário do Rapaz. Aceitaram os dias em que iria lá trabalhar - sobretudo quando lhe disse que demoro cerca de duas horas e meia a lá chegar. Falei dos dias do carnaval, perguntando se poderia não ir nesses dias, aproveitar as férias da faculdade e compensar as horas noutro dia: "Querida, não te preocupes, pus férias nessa altura. Se cá ficares conosco, começas em março." Os meus olhos brilharam mais, respirei mais fundo. "Entro em contacto contigo quando falar com o meu administrador, mas agora podes dar uma vista de olhos às instalações."
Apertámos a mão e lá fui eu explorar. Os nervos saiam-me pela ponta dos dedos que tremiam mais agora do que durante a entrevista. Quando dei por mim, estava rodeada de vitrines com tralha - como qualquer pessoa normal lhe chamaria - com o seu quê de cheiro a velho - mais propriamente do séc. XVIII e não me poderia sentir mais feliz.
Só queria pegar em tudo com luvas, limpar, tomar conta, contar a sua história: quem o deu, para que serviu, como se chama, de que país veio, que importância teve no seu tempo e porque é que merece estar num museu, junto do público.
Só quero estar rodeada de tralha velhinha. Vamos fazer figas.
Ser estagiária é (Sinónimo de) Carmezim - vamos lá ver!
Marta.