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(Sinónimo de) Carmezim

(Sinónimo de) Carmezim

20
Set17

A minha avó tem demência

Wow. Ver esta frase assim, escrita escarrapachada no ecrã do meu computador, até a mim me dá um murro no estômago. Ainda por cima, desde que vos mostrei este novo visual aqui do blog, que uma das coisas que mais passei a gostar aqui foi dos meus títulos só em maiúsculas. No entanto, também é verdade que não pensei que iria escrever o título que acabei de escrever. Não pensei que fosse ver esta frase em letras maiúsculas, logo esta. 

 

Ontem partilhei um post leve, divertido até. Hoje achei que ia escrever sobre um dos filmes que vi no fim de semana, sendo o escolhido também cómico. Acabo a escrever sobre isto porque vi na televisão uma notícia que anunciou um grande congresso em torno de doenças como a demência, o alzheimer e o parkinson. Nesse congresso estão concentradas grandes personalidades da área da medicina - e talvez de outras até - para discutir as doenças na tentativa de encontrar curas... ou pelo menos respostas. 

 

 

A minha avó estava ao meu lado quando esta notícia apareceu na televisão. A primeira palavra que o jornalista disse para introduzir esta notícia foi precisamente a palavra "demência" - a doença que a acompanha, talvez, há mais de dez anos. Naquela notícia o que a chamou a atenção foi o número "50 milhões", número que foi lançado como uma estimativa mundial das pessoas que sofrem deste tipo de doenças. A notícia era sobre a doença dela e o que a fez olhar para a televisão foi haver tanta gente no mundo. 

 

Senti necessidade de escrever este post porque a minha avó não faz ideia que tem esta doença. Se calhar vão até haver pessoas que a conhecem e que vão ficar surpreendidas quando lerem este post porque também não sabem que ela está doente. Se calhar acham só que ela é muito bem disposta e diz sempre o que quer. Na realidade, essa falta de filtro numa conversa é só fruto da demência. O facto de estar constantemente bem disposta é porque se esquece das coisas más e das preocupações - mas também das coisas boas - no momento a seguir a elas acontecerem. 

 

As pessoas que sabem deste seu problema perguntam por vezes se ela está melhor e isto só mostra o quão mal informadas as pessoas estão em relação a este tipo de doenças. Eu própria, quando fiquei com idade suficiente para compreender que a minha avó estava "diferente", não sabia nada sobre estes assuntos. Ainda hoje sei pouco da teoria e sinto que falho muito na prática também. Ter demência não é "estar maluquinho" nem "patareco" - é muito mais e muito mais complicado que isso. 

 

É deitar uma panela de sopa fora porque se esqueceu da quantidade de sal que foi pondo enquanto a fazia, transformando-a numa panela de veneno para a saúde. É ter que tirar todos os comprimidos lá de casa, que sempre tomou sozinha, mas que agora já toma fora de horas e em quantidades que quando não controladas podem ser perigosas. É ter que avisar no café da terra para não lhe servirem um café quando ela lá for pedir porque temos que controlar a tensão. 

 

Às vezes parece impossível que estas pessoas não tenham realmente noção do que estão a fazer. Às vezes nós, que tentamos cuidar, ralhamos e refilamos, como se a minha avó tivesse alguma culpa das coisas que lhe passam e se varrem da cabeça. Ela não tem culpa nenhuma e nós sabemos, mas nós também temos que nos ajustar a todas as adaptações que estas doenças pedem. Não é fácil nem para ela nem para nós porque nos custa sobretudo que todos os momentos felizes que lhe tentamos proporcionar se apaguem tão rápido quanto os menos bons. 

 

Ainda assim tenho noção que poderia ser tudo pior. Se às vezes há dias que me custam particularmente vê-la assim, a demência - no tipo que ela tem, sendo vascular - tem algumas maneiras de tentar controlar. Ao fim de dez anos com a doença sei que se fosse alzheimer ela provavelmente já não nos reconheceria. Ela não só reconhece como também há dias em que se lembra de coisas muito específicas e eu adoro esses dias. Nem sequer posso imaginar como será ver alguém que significou tanto nas nossas vidas olhar para nós como estranhos. Tenho perfeita noção que, por muito difícil que possa ser às vezes, a minha avó ainda está ali, naqueles olhos de Rosa Linda. 

 

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Escrevi isto porque fiquei com mais vontade de me informar, de compreender para a ajudar. Toda a gente devia informar-se sobre estas doenças, saber o que provocam, saber o que estas pessoas precisam e o que nós podemos fazer por elas. Muitas vezes, até é mais a minha avó que nos faz rir à gargalhada com as tolices dela e essa é a nossa forma de lidar com a demência dela. Costuma dizer "vês, se não viesse cá hoje já não davam essas gargalhadas!" e é verdade. 

 

Informem-se. Sobre os detalhes, sobre como ajudar, mas sobretudo sobre o que estas pessoas precisam: desde a alimentação, à medicação, estejam atentos ao que faz bem e ao que faz mal. Acima de tudo, tenham paciência - essa é a parte em que se tem que tentar trabalhar todos os dias. Não é a minha avó que tem que tentar mais, sou eu. Somos nós, que sabemos o que se passa. É o mínimo que podemos fazer por estas pessoas, que nos são tanto, quando existem estranhos a discutir estas doenças e a tentar arranjar soluções para casos futuros. 

 

A minha Rosa Linda é (Sinónimo de) Carmezim.

Marta.

 

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