A (nossa) Feira de Todos os Santos
No mestrado que estou a tirar é normal ouvirmos os professores dizer que a palavra "tradição", "tradicional" e outros membros da família não devem ser utilizados no discurso de um patrimonialista. Os meus professores fazem esta chamada de atenção porque o que muitas vezes chamamos de "tradicional" pode também haver noutro sítio qualquer ou pode ter as suas origens noutro sítio e por essa razão é errado empregar uma palavra que tente confinar algo a um sítio.
Eu entendo esta preocupação com estes termos. Ao fim de quase dois meses de aulas já começo a ter alguma atenção aos termos que emprego em apresentações de trabalhos orais e mesmo escritos porque sei que, na academia, não podemos ser radicalistas. No entanto, depois de alguma reflexão considero que não é preciso que algo seja orgininal, no sentido de só haver ou só ser feito num determinado local ou numa determinada época. Talvez a palavra com que se tenha mesmo de ter cuidado seja a palavra "típico", porque isso sim pode facilmente ser associado à ideia de original.
O tradicional pode apenas ser algo que se repete ao longo do tempo. Que vem do passado, atualiza-se e adapta-se ao presente para que possa perdurar no futuro. Pode acontecer aqui e em mais milhentos outros sítios, mas em todos esses sítio, esse algo é tradição porque se teve necessidade e gosto que assim fosse. O dia de Todos os Santos na minha terra é um marco muito importante no calendário e todos os festejos são, para mim, tradições.
Desde terça feira que esta terra, geralmente calma e pacata, se encheu de gente de todas as terrinhas à volta para comer, beber, rir e dançar. Estas quatro coisas foram, literalmente, as únicas coisas que fiz desde terça feira - porque, lá está, com tudo isto dormir ficou um bocadinho para segundo plano.
A Feira de Todos os Santos aqui onde moro costumava ser só isso: uma grande feira, com tudo desde brinquedos, a cassetes de música, a roupa - muita roupa! - e alguidares de todos os tamanhos e cores. Tenho memórias lindas durante esta feira, em que só saía dos carrosséis quando via a minha avó passar porque sabia que ela não resistiria a comprar-me (mais) um miminho.
Hoje em dia, mais propriamente de há uns três anos para cá que a Feira de Todos os Santos foi reanimada depois de alguns anos em que, tal como tudo por estes lados, também andou em crise. Com o trabalho de alguns e a vontade de se divertir de outros, a Feira dos Santos está hoje na sua melhor versão. Acham que isto é um exagero? Pois olhem que para além de ter começado a haver festa na terça à noite - sem cá as importações do Halloween - este ano quem nos veio animar foi o José Malhoa! Imaginem só! Se eu alguma vez pensei que ia estar a cantar "Aperta, aperta com elaaaa!" na minha terra com o próprio do artista.
No meio de tudo isto reinou a água pé e as castanhas, como já seria esperado. No entanto, criaram-se espaços para as associações da freguesia onde, para além de darem a conhecer o seu trabalho, vendiam outras coisas bem boas como broas, ginja, queijinhos e - porque também não somos assim tão imunes há globalização - umas caipirinhas e uns mojitos!
No dia de Todos os Santos, enquanto a grande feira chegava a um ponto em que se tinha de pedir licença para se conseguir ir avançado, começavam a ouvir-se as pequenas festas que iam acontecendo dentro das casas. Os almoços de família começavam a terminar e abriam-se as portas para se oferecer água pé, ouvir um acordeão e dançar uma modinha.
Foram dias em família e em amigos. Pessoas que não se viam há imenso tempo porque a vida corre demasiado depressa voltaram a estar juntas nesta festa. E rimos, e dançamos e rimos mais um bocadinho. Foram dias espetaculares que, radicalismos à parte, são uma tradição que gostava que os meus filhos e netos vivessem da mesma maneira que nós - ou melhor! Não temos a única Feira dos Santos do país e ainda bem, porque seria muito egoísta que só nós nos divertissemos assim!
Tradições são (Sinónimo de) Carmezim.
Marta.