Amor é pão com chouriço
Às vezes as pessoas são mesmo ingratas. E por pessoas entenda-se eu própria. Hoje de manhã quando acordei foi daqueles dias em que tive vontade de mandar tudo dar uma volta só porque estava cheia de sono. Aquele sono mesmo horrível, que até nos deixa com uma moínha na cabeça durante o resto do dia. O mesmo sono que nos dá um galo bem grande e dorido na cabeça por passarmos o tempo todo a bater com ela nas janelas dos autocarros e dos metros. Hoje foi daqueles dias que, só de pensar no caminho, no trânsito e no tempo que ia demorar até chegar ao trabalho, tive vontade de chorar. A certa altura acho mesmo que o fiz, assim aquele chorar sem muita vontade, tipo bebé a fazer a birra do sono. Não tenho a certeza se o fiz ou não, porque mesmo em pé, estava a dormir.
Esqueci-me de coisas em casa que me davam muito jeito e isso ainda me chateou mais. Fui em pé no metro e no autocarro e ainda fiquei pior. A dor de cabeça não ajudou em nada. No entanto, não deixo de me achar uma ingrata mesmo agora enquanto descrevo o meu drama de ter sono a uma quarta feira, porque tive que acordar cedo da minha cama confortável para andar de transportes públicos que, mesmo assim, podiam ser muito piores, para chegar ao meu emprego na minha área, aos 21 anos. Realmente, visto assim, é uma vida cheia de azar e com todas as razões do mundo para choramingar que nem uma menina mimada (é favor notar a ironia, por favor!)
Uma das coisas que me fez sentir mais ingrata foi olhar para o meu Rapaz. Somos parecidos em muitas coisas, mas somos diferentes em ainda mais e uma delas é o acordar. Ou melhor, nem é tanto o acordar, mas sim a necessidade que cada um tem de dormir. Ele ontem andou armado em carpinteiro depois de um dia de trabalho no escritório. Eu ajudei também, mas estive a encher sacos de gelo, varri uma sala, passei-lhe uma esfregona e recortei uns cartões. Como cheguei tarde a casa, hoje caiu o carmo e a trindade. Já ele, parecia não só que não era nada com ele, como também parecia ainda mais bem disposto do que nos outros dias.
A sua energia subiu ainda mais quando entrou no autocarro e deu de caras com a maior trombuda do mundo: eu. Só lhe faltou fazer o pino para me fazer rir. Admirada e a querer ser como ele perguntei-lhe qual era o segredo e ele, com toda a naturalidade do mundo respondeu "Se estou cheio de sono tenho que me mexer mais e conversar mais, senão não vou aguentar. Por isso é que estou assim!" e fez o sorriso mais lindo do mundo. Porra, ele tinha razão, mas e conseguir? Tchau Laura, como diz o outro.
Quando viu que no autocarro era impossível pôr-me melhor, emprestou-me o seu ombro para dormir. Foi automatico. Nem me lembro de ver o caminho. Chegámos a Lisboa e quis pagar-me um café "bom, porque o do trabalho não é a sério e assim acordas melhor!" Nisto, continuava a conversar de tudo e mais alguma coisa, cantava, fazia-me cócegas, TUDO! Eu lá ia rindo, lá ia ficando melhor, mas quando nos distraímos os dois desta missão lá estava eu outra vez a lacrimejar de sono.
Disse-me para ir com ele no metro - coisa que não costuma acontecer - porque me queria levar a um sítio. Levou-me a tomar o melhor pequeno almoço de sempre: pão com chouriço e queijo, só porque sabe que eu adoro. Quentinho e saboroso. Só me pediu uma trinca porque queria que eu saborea-se aquilo a sério. No fim perguntou "senteste melhor?" e a verdade é que sentia mesmo, mais que não fosse pelo esforço que senti da parte dele para que isso acontecesse, literalmente, desde que tinha chegado ao pé de mim.
Apesar de lhe ter dito que sim, que estava melhor, e de já estar (quase) tão bem disposta, animada e pronta para o dia quanto ele, ele achou que ainda não era suficiente e foi-me levar à paragem onde esperou comigo pelo meu autocarro. Chegou um bocadinho atrasado, mas não se importou porque queria ter a certeza que eu já não estava toda macambúzia.
Resultou a sério. A manhã foi produtiva e a tarde adivinha-se idêntica. Quando ele se foi embora senti-me uma ingrata grata. Ingrata porque quem dera a muita gente que todos os seus problemas fossem saudades da cama e ingrata porque só pensei que não deve ser nada agradável começar o dia a aturar uma pessoa de trombas até à China. Por outro lado, fiquei, estou, sou grata por ele. É do caraças quando nos apaixonamos pelo nosso melhor amigo, que até sabe a comida que comprar para te fazer sorrir. Obrigada amor, ainda só bocejei uma vez!
Ser ingrata grata é (Sinónimo de) Carmezim.
Marta.