E tudo o flato levou
Há pouco tempo, ouvi o Ricardo Araújo Pereira falar de uma teoria pensada por outro grande senhor do qual agora não me lembro o nome. Essa teoria, segundo Ricardo Araújo Pereira, fala de uma paranóia invertida no sentido em que quem acredita nela acredita também que o mundo conspira, mas a seu favor. Hoje sinto-me um bocado assim.
Ontem ia escrever sobre algo totalmente diferente daquilo que acabei por escrever que, resumidamente, foi sobre xixi. Hoje, sinto que o universo conspirou a meu favor porque sabendo que eu ainda não tinha bem planificado o post de hoje fez com que fosse completamente inevitável falar sobre, nada mais nada menos do que... cocó. No dia seguinte a ter falado de xixi. Não é incrível?
Vá, não é propriamente sobre cocó, mas sim sobre o peido mais emblemático dos últimos tempos: o do Salvador Sobral. Tenho 22 anos e não me lembro nunca de se ter falado tanto de um peido que - pelo menos que se saiba - nem chegou a vir ao mundo. Foi um peido hipotético que, mesmo assim, não deixou de afetar tanta gente de nariz sensível - e provavelmente, impinado.
Um dos posts que mais gostei de escrever nos últimos tempos foi sobre o concerto solidário de Manchester porque relembrei o Live8, concerto que gostava tanto de ver quando era pequena e ainda não conhecia metade dos artistas. Ontem, foi com muita curiosidade e emoção que assisti a todo o concerto solidário - o primeiro que me lembro, pelo menos desta dimensão, no meu país. Foi uma noite linda e acredito que se lá estivesse me teria certamente emocionado. Houve atuações e discursos verdadeiramente tocantes e foi bonito, de uma forma geral, ver o MEO Arena completamente cheio por uma causa destas.
Houve atuações que me surpreenderam imenso - como a Carminho que cantou que se fartou e eu achava que nem gostava assim muito da rapariga - e outras que foram tão boas como são normalmente - como a do senhor Rui Veloso, da Luísa Sobral, da Gisela João ou do David Fonseca. Depois dos momentos surpreendentes e dos momentos bonitos... apareceu o Salvador.
Vocês sabem como me sinto em relação ao rapaz. Acho-o absolutamente genial, com uma noção de afinação e musicalidade fora do normal. Não se tropeçam em duas pessoas com um dom daqueles todos os dias - a menos que essas duas pessoas sejam os irmãos Sobral. Da mesma maneira que sei isto, sei também que ele gosta de dizer ou fazer coisas que 90% de nós, pessoas normais, não faríamos porque estariamos demasiado preocupados com as aparências.
Ele não. Chegou ali com o ar mais descabelado que o tenho visto nos últimos tempos e simplesmente fez a cena dele, ao mesmo tempo que foi brincando com o público. E atentem que a cena dele foi absolutamente incrível. O rapaz entrou a matar, ao cantar uma das músicas mais bonitas de todos os tempos: A Case Of You. Ia falecendo no sofá quando me apercebi que ele estava a fazer aquilo. Foi absolutamente maravilhoso e arrepiante. Pouco faltava para levar todo um MEO Arena às lágrimas. Quando entra "Amar Pelos Dois", essas lágrimas cairam com certeza.
Foi um momento maravilhoso. Hoje, parece que toda a gente quer reduzir esse momento - e até todo o espetáculo, que foi muito bom - a um peido hipotético. Cheguei a ler por aí, no meio de tantos comentários - esses sim, de peido - que o que o Salvador disse foi uma falta de respeito para com as vítimas. Até custa comentar uma coisa destas, tal é a ignorância e mesquinhez das pessoas que ficaram assim tão ofendidas.
Tomemos então este exemplo: no final da música, mais propriamente na última frase de "Amar Pelos Dois", as pessoas iam a cantar a letra de acordo com a versão original da música e o Salvador decidiu inventar mais um bocadinho, como é costume. Quando se apercebeu que as pessoas achavam que ele ia cantar igual à versão da Eurovisão, riu-se como quem diz "Apanhei-vos!". Ora, se é para se ficar ofendido com brincadeiras e tentativas do artista de aligeirar o momento que, apesar de bonito estava realmente a ficar pesado, porquê não ficar também ofendido com esta rasteira do Salvador? "Ai porque na outra ele disse peido!". Meu Deus, vou-me já atirar para o chão.
É que aposto que até o Marcelo se riu. Cá em casa, a lágrima que estava no canto do olho enquanto ouvia o Salvador cantar caiu finalmente, mas a rir. Não fiquei ofendida. Pelo contrário, fiquei curiosa por saber, efetivamente, o que aconteceria se este peido tivesse saído do plano hipotético.
Como sempre, contra mim falo, porque agora sou uma dessas pessoas que deu eco à questão do peido. Mas fi-lo por uma boa causa para ver se este post serve como um apelo para se deixarem de merdas, preocuparem-se com os vossos próprios flatos e deixarem os do Salvador em paz. É o que ele e os outros artistas fizeram ontem foi tão bonito que vale muito mais que isto: um peido que nunca chegou a ver a luz do dia.
Questões de flatulência não são (Sinónimo de) Carmezim.
Marta.
