Guardado na estante #7 | O Amante é Sempre o Último a Saber
Vá lá Marta, conseguiste trazer mais do que um Guardado na Estante no mesmo mês, até mereces um biscoito - que se sinta a forte ironia na frase anterior, por favor. Depois do processo que foi ler O Processo de Kafka, sabia que tinha de ler um livro levezinho. Já não tinha livros fofinhos que ainda não tivesse lido e não queria ter que ficar três dias a andar de transportes público sem companhia literária. Por isso, fiz uma pesquisa mais profunda nas prateleira cá de casa à procura de algo que me chamasse a atenção. E que soubesse que não seria demasiado sério.
Os meus olhos, ainda que meio desconfiados, acabaram por cair em cima do único livro de Rui Zink que alguma vez comprei: O Amante é Sempre o Último a Saber. Comprei-o há uns anos porque o achava um grande maluco e porque acho a capa lindíssima. Na altura, tentei ler e não me lembro de ter sequer passados as primeiras dez páginas. Lembro-me que estava confusa, que não estava a perceber o que se passava e desisti. Interessante ver como o tempo realmente importa quando se fala em ler livros. Passados alguns anos, li-o num ápice e embora as partes confusas que continuam lá, nunca me senti perdida na história.
Tal como sugere a capa, a cultura japonesa é dos temas centrais da história - e também aquele que é mais criticado. Ao longo do livro o autor, praticante de karaté na vida real - pormenor que descobri numa pesquisa para descobrir como sabia ele tantos termos da modalidade - vai fazendo uma dura crítica ao facto da cultura japonesa estar a perder cada vez mais a sua essência, tornando-se mais ocidental a cada dia que passa. Esta é uma das partes mais interessantes da história - especialmente para alguém como eu que não sabe grande coisa sobre o Japão. As descrições são bastante satisfatórias, sempre com uma forte dose de sarcasmo que, pelo que me pude aperceber, caracteriza o autor.
Outro aspeto que gostei foi a forma como um autor (homem) escolhe representar a sua protagonista. Descreve-a como a mulher de negócios, forte e fria, constantemente rodeada de homens que tremem à sua passagem. No entanto, também a caracteriza como alguém que é o principal culpado da queda do seu filho na desgraça, porque é tão concentrada no trabalho que nunca lhe deu a atenção devida. Preferia ver uma protagonista que para além de bem sucedida, fosse também uma boa mãe, mas deduzo que se assim fosse esta história não existia, não é?
A figura da mulher acaba por ganhar um grande ênfase na história, quase tanto como o Japão, como outro dos causadores da desgraça de Bernardo - o filho. No final, ficamos a saber que "a vilã" do romance é também uma mulher com uma força igual ou maior que a da natureza. Literalmente, ela era capaz de provocar um tsunami ou um terramoto. Confusos? Pois, eu também fiquei.
Esta foi a parte que não gostei no livro: do meio para a frente, apercebemo-nos que estamos perante uma história de ficção-científica. Se calhar fui eu que não fiz uma leitura suficientemente atenta do livro ou se calhar não percebo nada de ficção-científica, mas achei a introdução neste género não só desnecessária como forçada. A ideia é engraçada, é verdade, mas parece que Zink saiu completamente da sua zona de conforto - digo eu, que não li mais nada dele. Se calhar o homem é uma referência dentro do género e eu não sei, mas achei que a descrição das cenas que se passavam no ambiente da FC não foram feitos com a mestria que se exige.
Outro ponto negativo, para mim, é o título. Gostava de interrogar Zink sobre o porquê deste título e que me explicasse também a ligação deste com a história. Dei numa cadeira de comunicação que existem casos em que isso acontece, o título é apenas uma frase aleatória que passou pela cabeça do autor, e portanto é algo legítimo. Cada um chama o que quiser ao que é seu... mas não deixa de irritar um pouquinho. Estivessemos nós no YouTube e isto seria um grave caso de clickbait.
De uma forma geral, a história é engraçada e o livro lê-se bem. Gostei muito do sentido de humor do autor. Foram várias as vezes em que me ri com o seu sarcásmo, as suas metáforas e comparações. Acho que daqui a uns tempos vou experimentar ler mais alguma coisa dele, só para formar melhor uma opinião. É um caso curioso em que é o estilo descontraído do autor que acaba por safar uma história que poderia facilmente deixar demasiado a desejar.
3em 5
Bons livros são (Sinónimo de) Carmezim.
Marta.