Sem Spoilers #4 - Fences
Na passada sexta-feria foi dia de - finalmente - ver o "Fences". Para vocês - meu queridos - que têm vindo a ler as minhas modestas opiniões sobre os nomeados para os Óscars 2017, sabem do meu desejo de ver este filme. Em quase todos os textos que fazem agora parte do Sem Spoilers disse que, só vi o filme que então comentava por problemas técnicos a tentar ver "Fences". Por isso as expectativas estavam altas. Não por ver trailers ou ler outras reviews - não tinha visto nem uma coisa nem outra. Estava apenas curiosa, porque praticamente cresci a ver o Washington trabalhar - ter um irmão onze anos mais velho, com ótimo gosto em filmes teve as suas vantagens.
Ao fim de quinze minutos, ainda sem perceber muito bem qual seria o tom que a história iria tomar, já não conseguia contar mais o sorriso. Podemos começar pelo sotaque de Denzel Washington e de Sephen Henderson - uma personagem que parece tão pequena mas torna o filme tão mais terno. Para uma amante de línguas como eu - e obcecada por sotaques e dialetos, sobretudo britânicos e americanos - este é um filme simplesmente delicioso. Aquela forma de falar, quase gritando, tão rápido - que quem aprende inglês académico pode ter que recuar para ouvir melhor - é dos exercícios que mais gosto de fazer. A primeira vez que se ouve DW usar a palavra nigga em voz bem alta no seu quintal até faz estremecer. Não pela violência da palavra ou pela carga que tem, mas sim pela naturalidade com que é ali empregada - representando uma realidade que para mim parece ter tão pouco disso - de real.
Posso estar completamente errada - não sou ainda tão croma de cinema como gostava - mas sempre que penso nos trabalhos cinematográficos de Denzel Washington penso sempre num homem de poder, quer seja o bom ou o vilão. Sempre engravatado, a tentar salvar o dia. Neste, Denzel é tudo menos isto. Sim, podemos vê-lo como um vilão: vivendo mais de 40 anos num pleno e constante estado de frustação, refugia-se na bebida, nas histórias que inventa, mente à esposa dedicada e maltrata os filhos. Mas este vilão que vemos em Troy, não é como aqueles a que estamos habituados. Nem é um Joffrey Baratheon ou um Joker. É um vilão que pode existir dentro das vedações de cada casa por que passamos no nosso caminho para o trabalho, e isso é sem dúvida o que mais prende o espectador.
A interpretação de Washington é brilhante, real e assustadora. A banda sonora é quase nula, porque não há espaço para ouvi-la - os diálogo incrivelmente articulados, nunca entre mais de quatro personagem, duram cerca de vinta minutos cada, sendo que quinze desses vinte são ocupados por autênticos monólogos do protagonista. Quando cada diálogo termina, dá vontade de pôr pausa, levantar do assento e aplaudir. Senti-me no teatro.
É preciso também reconhecer que estes diálogos fantásticos a que assistimos só são possíveis pelo trabalho igualmente exemplar dos atores secundários, sobretudo de Viola Davis. Adoro a senhora desde o primeiro filme em que a vi e mais uma vez, está igual a ela própria. Casting simplesmente perfeito, para representar uma história tão real que necessitava de atores capazes de serem tão reais quanto o próprio argumento.
Depois de ver o filme, fui ler algumas reviews e o comentário mais comum é o de que a história não tinha assim tanto conteúdo para durar cerca de duas horas e meia no ecrã. Concordo em parte com esta afirmação. Sim, é verdade que a história não é extraordinária - muito pelo contrário, poderia ser a história de qualquer família - mas não dei pelas duas horas e meia. Mesmo com uma banda sonora praticamente inexistente nunca senti que o filme corresse o risco de cair numa lentidão que fizesse a audiência desligar da história em certos momentos - como aconteceu com Manchester By The Sea - mantendo-me sempre atenta, ávida por querer saber mais, saber qual o próximo grito a ser dado - de medo, de frustação, de raiva, de tristeza. Apesar do panorama meio negro, é sem dúvida o meu preferido até ao momento.
No mesmo dia, vi "Hidden Figures" e apesar de ser uma história verdadeiramente inspiradora e de adorar todas as atrizes, Viola Davis - em "Fences - deixou-me com mais vontade de a aplaudir no fim, arrepiou mais do que Victoria Spencer - em "Hidden Figures" - filme em que cheguei mesmo a preferir o desempenho de Taraji P. Henson. Em termos de melhor filme, "Fences" vai à frente por bastantes pontos aqui no Sinónimo.
Go Denzel! Go Viola!
9.5/10
Cinema é (Sinónimo de) Carmezim.
Marta.