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(Sinónimo de) Carmezim

(Sinónimo de) Carmezim

31
Out17

Sobre a reportagem "cartel do fogo"

Eu hoje ia falar sobre o quanto sempre gostei deste dia. Ia falar da Feira de Todos os Santos na minha terra e de como eu acordava completamente histérica porque via fichas para os carrinhos de choque em cima da minha mesa de cabeceira. Também vos ia falar do Pão por Deus, para o qual nunca me mascarei nem nada do género e ia contar-vos daquela vez em que uma senhora me ofereceu latas de salsicha e de como gostei muito mais de receber isso do que propriamente mais gomas. 

 

Ia também falar-vos da única vez que brinquei "à noite das bruxas". Ia contar-vos que saí toda lampeira de casa durante a noite com uns amigos a pensarmos que íamos pregar imensas partidas, mas assim que outro grupo rebentou uma bombinha de qualquer coisa viemos todos, literalmente, a correr de volta para minha casa. Acabámos a noite, todos de mãos dadas, na minhas sala, cheios de medo porque decidimos ver o primeiro filme da saga Saw. Ía falar-vos sobre tudo isso, mas afinal não vou ser capaz porque acabei de ver a reportagem da jornalista Ana Leal, para a TVI, "Cartel do Fogo". 

 

Esqueci-me completamente que esta reportagem deu ontem e por isso só a vi hoje. Quando vi os anuncios tinha decidido que não a iria ver porque tinha prometido a mim mesma que não queria sequer ouvir mais falar de incêndios. Sei que essa provavelmente não é a atitude mais proativa ou interessada sobretudo para alguém que viu, este verão, chamas tão perto de pessoas de quem tanto gosta. Se calhar estaria a fechar os olhos e a ignorar algo muitíssimo relevante, mas não queria mais. Não queria acreditar naquilo que eu sabia, no fundo, que aquela reportagem iria mostrar. No entanto, quando hoje acordei e li algumas opiniões sobre a reportagem não consegui, mais uma, vez ignorar. 

 

Acabei de ver a reportagem e enquanto vos escrevo estas palavras tenho a televisão na TVI24 onde estou a ouvir o debate p´s-reportagens com alguns dos protagonistas da própria reportagem. Em traços gerais, o grande mote da reportagem é responder à pergunta "quem lucra com os incêndios em Portugal?". Sempre ouvi falar em fogos-postos e isso, infelizmente, sempre foi algo que soube possível embora incompreensível. No entanto, só este ano é que comecei a deixar de ser tão ingénua e a perceber que se calhar não são só piromaníacos e outros que tais a gostar de ver hectares de terra a arder. 

 

Também estamos habituados a associar determinados preconceitos àquilo que se entende como sendo terrorismo. Pensamos em bombas, pensamos em camiões descontrolados contra a multidão, pensamos em tiroteios no meio de inocentes. O que se passou em Portugal este verão foi das formas mais crueis de terrorismo, que - correndo o risco de ainda ser a última alma inocente do país - eu jamais imaginaria alguém ser capaz de engendrar. 

 

Uma das frases que mais me marcou nesta reportagem foi "eles ou são incompetentes, ou são corruptos!" e é mesmo triste ver que, muito provavelmente, será a segunda hipótese. Toda a gente ficou muito feliz por a Constança ter ido de férias, mas depois de ver esta reportagem acredito que os que mais lucram com isto estiveram sempre de férias porque devem ter feito tanto, mas tanto dinheiro, que devem ter estado este tempo todo na sua casa em Bali a apanhar sol. 

 

Falam dos meios aéres como sendo dos piores negócios da história da democracia em Portugal. Fala-se em milhares de milhões de euros em "reparações" de helicópteros que sairam meia dúzia de vezes do armazém e que, por magia, ficaram cheios de problemas técnicos em Pedrogão Grande. 

 

Todos estes factos estão na reportagem, escarrapachados, mas a verdade é que ninguém responde à pergunta "quem lucra com os incêndios em Portugal?", mesmo depois de toda a investigação exemplarmente recolhida pela jornalista Ana Leal. Eu não senti que precisava de escrever estas palavras para vos dar factos porque a reportagem está disponível para quem a quiser ver. Eu senti que precisava de fazer este desabafo mal amanhado porque simplesmente não sei como é que há quem ponha um país a arder para seu próprio proveito e depois ainda dê condolências no Facebook e no Twitter. 

 

Em Mafra, às 16h do dia 15 de outubro de 2017 respirava-se ar puro. A partir das 17h eram vários os focos de incêndio no espaço de pouco mais de 30 quilómetros. Aqui não morreu ninguém como aconteceu noutros pontos do país, felizmente. Nos outros pontos do país, mesmo que se tivesse morrido UMA pessoa, teria sempre sido uma pessoa a mais. Acho que não há ninguém que veja esta reportagem e que não sinta vontade de dizer algo, mais que não seja para que este verão não caia no esquecimento. 

 

É mais do que a senhora que quis ir de férias, é mais do que tudo o que se possa imaginar. Deixo aqui, mais uma vez, fotografias do concelho de Mafra nos dos incêndios de há duas semanas. Espero mesmo, do fundo do coração, que tudo isto seja mentira e que um dos piores dias que me lembro tenha sido o dia mais lucrativo para alguém. 

Já disse várias vezes que não percebo nada de lobbies nem percebo grande coisa de política. Sou uma pessoa ainda muito ingénua nesse aspeto, que acredita na boa vontade e no bom trabalho das pessoas até que seja provado o contrário. Também não gosto de falar de temas destes no blog, mas vejam a reportagem e tentem ficar calados perante aquilo que viram. 

 

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 O choque é (Sinónimo de) Carmezim.

Marta.

 

Sinonimo de Carmezim

Sou a Marta e gosto de escrever umas coisas de vez em quando.

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